Senhor dos Passos e N.ª Sr.ª da Soledade

Fazemos a memória de um homem inocente, que foi preso, torturado, julgado e condenado injustamente à pena máxima: a morte na cruz, reservada aos malfeitores e agitadores da ordem estabelecida.


Numa atitude de fé, contemplamos a sorte de um inocente que, como descreve o profeta Isaías “foi oprimido e humilhado; como cordeiro, foi levado ao matadouro; e, como ovelha muda diante do tosquiador, não abriu a boca”.

Tudo isto se concretizou na humana pessoa de Jesus, o Filho de Deus. Ele não se opôs, mas entregou-Se livremente; foi para a morte sem abrir a boca.

Lá, no Jardim das Oliveiras, foi preso pela guarda do Sinédrio, armada de espadas e varapaus. À frente, vinha Judas, Seu discípulo, cujo beijo serviu de senha para O entregar nas mãos dos Seus inimigos. É a dura realidade de sentimentos instrumentalizados que transforma um gesto de afeto, de amizade, de proximidade e de cordialidade, em traição.

Como é possível acreditar que o poder das trevas pudesse matar o Bom Jesus que nenhum mal fizera e só realizou o bem? Como acreditar que se pudesse matar o Servo do Senhor, que se pudesse matar o Filho de Deus? É a loucura e o escândalo da cruz de que fala São Paulo. Mas, Deus não poderia ter evitado a cruz? Como é possível que os homens possam matar Deus? Ora, homem algum pode superar o poder de Deus e matá-lo, a menos que o próprio Deus o permita. E Deus permitiu, e Jesus, generosamente, por amor, aceitou.

Olhamos! Olhamos, irmãs e irmãos, para este homem que carrega sobre os Seus ombros os nossos pecados. Acompanhamos este Deus que nos ama sem limites; este Deus que não poupou o Seu próprio Filho, antes O entregou à morte por todos nós.

Não foi suficiente a traição de Judas. Até Pedro, que jurara de que jamais O abandonaria ainda que todos O abandonassem, que dissera que iria com o Senhor até a morte, até Pedro, até Pedro O negou três vezes. Esta negação, aliás, não é mais que a negação de todos nós, que se concretiza quando renegamos o Senhor nos contextos em que somos chamados a testemunhar a fé e a defender a vida do inocente e do injustiçado.

São o que nos leva a pensar – quando a justiça é manipulada pela opinião pública; quando em nome da maioria e do espetáculo, a justiça se transforma em vingança e aqueles que são condenados não veem os seus direitos humanos respeitados.

ECCE HOMO” – “Eis o homem”, diz Pilatos à multidão, apresentando o Senhor, desnudado diante da multidão. Já condenado à morte, foi submetido à tortura, flagelado até ao limite das Suas forças.

Depois de O terem torturado e maltratado, obrigam-n’O a carregar uma pesada cruz até ao Calvário.

Estes não são apenas factos do passado. Muitas e muitos, nos nossos dias, são forçados a carregar uma cruz que é imposta pela ganância do dinheiro e pela lógica que converte a pessoa em coisa, em objeto e em mercadoria, como ocorre com o tráfico de pessoas, o trabalho escravo, a exploração infantil, a violência doméstica e, agora, bem diante dos nossos olhos: o flagelo da guerra.

Para Si:  Porque é que a Páscoa varia sempre de domingo e de mês?

Uma grande multidão do povo seguia os passos do Senhor naquela via dolorosa. No meio da multidão, seguiam, também, algumas mulheres, que batiam no peito, lamentando a vergonhosa situação.

Ressoam, hoje, aos nossos ouvidos: os gritos de mães que choram seus filhos destruídos pela dependência do álcool e da droga; os gritos e a angústia de mães que veem seus filhos morrer; o desencanto de tantas mães que veem seus filhos a afastarem-se dos caminhos de Deus; a preocupação de tantas mães pelo facto dos seus filhos não terem trabalho digno e estável, sem perspetiva de futuro; os gritos de esposas e mães que veem maridos e filhos ficar para trás por causa da guerra, sem saber se os voltam a ver.

Algumas mulheres, que eram discípulas do Bom Jesus, seguiam silenciosamente os Seus passos e chegaram com Ele ao lugar da crucifixão, entre elas estava Maria, a Mãe de Jesus. É lá no Calvário, que ocorre o encontro dramático entre mãe e filho. Não há maior dor para uma mãe do que ver um filho destruído pela violência e pela prepotência daqueles que deveriam defender a vida. Ele, Jesus, o Filho, não a esquece, e entrega-lhe uma nobre missão: “Mulher, eis aí o teu filho”.  Na pessoa de João, Jesus, oferece-nos Maria por Mãe. Ela, a mulher forte, a Senhora das Dores, em sua soledade, a todas e todos recebe no seu materno coração. Somos convidados a amá-la e a recebê-la na nossa casa, a acolhê-la na nossa vida. Veneremo-la pela sua coragem e serenidade; veneremo-la pela sua presença discreta, maternal e fiel na nossa vida. Não há que temer: temos Mãe, dizia o Papa Francisco em Fátima e muito bem o lembrava o senhor D. António Francisco, no mesmo lugar, dois dias antes de partir para os Céus: Temos Mãe. Uma Mãe que nos acompanha até ao fim, até ao extremo da nossa dor; uma Mãe que jamais nos desempara; uma Mãe, que, como em Caná, continua a segredar ao nosso coração: “Fazei o que Ele vos disser”, nem que para tal a Ele nos tenhamos de associar, cruzando os nossos passos com os Seus,carregando, com e como Ele, a nossa cruz. Só assim podemos ser Seus discípulos: “Se alguém quiser seguir-Me, tome a sua cruz e siga-Me”. Não há outra forma de ser cristão, de ser, de verdade, discípula, discípulo, amiga e amigo de Jesus.

Mas a cruz não tem a última palavra sobre a Sua vida. Ele ressuscitou! Ele venceu! Assim, também a cruz, não tem a última palavra sobre nós. Nós também venceremos e com Ele reinaremos.

Pe. Francisco Andrade

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